Homem constrói computadores com neurônios vivos

10

mar 2016

Por:Silvana Leal
Notícias

No mês passado, a divisão de inteligência artificial do Google, a DeepMind, anunciou que seu computador havia vencido o campeão europeu de Go cinco vezes seguidas. Go, um jogo de estratégia disputado em um tabuleiro de 19 linhas intercaladas com 19 colunas.

É bem mais difícil para um computador do que o xadrez –há 20 movimentos possíveis no início de uma partida de xadrez, versus 361 em Go–, e o comunicado foi louvado como mais um marco na evolução da inteligência artificial.

O Google, o Facebook e a IBM apostam em computadores que prometem emular a mente humana. Para os estudiosos dessas empresas, a capacidade de aprender e reconhecer padrões é tida como próximo passo na evolução da inteligência artificial.

O empreendedor nigeriano Oshiorenoya Agabi, porém, acredita que falta um componente essencial nos processadores similares à mente: cérebros de verdade.

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Ou pelo menos neurônios vivos. A start-up dele, a Koniku, que acabou de concluir uma experiência com o acelerador biotecnológico IndieBio, vende-se como “a primeira e única empresa do planeta a construir chips com neurônios biológicos”.

Em vez de mimetizar a atividade cerebral com chips, Agabi quer pegar emprestado a própria matéria do cérebro humano para criar os chips. Ele integra neurônios cultivados em laboratório a chips computacionais na tentativa de deixá-los muito mais potentes que seus predecessores-padrão, de silício.

No momento, a Koniku angaria fundos com objetivo de conseguir US$ 6,3 milhões. Segundo Agabi, a empresa conquistou clientes da indústria farmacêutica, como a AstraZeneca, do Reino Unido, e da aviação, a exemplo da Boeing, que escreveu uma carta que anunciava a intenção de usar a tecnologia em drones para detectar produtos químicos.

A entrega da primeira leva de chips tunados com neurônios está programada para os próximos meses. Agabi disse que um cliente, uma empresa de drones, espera que os processadores sejam primorosos em detecção de vazamentos de metano em refinarias de petróleo. Outro cliente planeja usar os processadores para moldar o efeito que determinados medicamentos causarão no cérebro humano.

O futuro, Agabi acredita, será executado em um computador muito mais vivo.

Parte do sucesso da campanha de financiamento da Koniku vem de sua visão genuína e até mesmo romântica dos chips feitos com neurônios. Ele diz que é o futuro do processamento. Quando entrevistei Agabi, numa tarde recente, era nítida sua animação frente ao futuro da neurotecnologia.

Agabi me contou que começou a se interessar por aprendizagem automatizada enquanto ensinava um braço robótico –projetado para mover peças– a classificar objetos. Na época, ele trabalhava para uma companhia suíça de robótica, a Neuronics.

Depois de oito anos, ele deixou a empresa para fazer mestrado em física teórica com o foco no desafio da interface entre neurônios e robôs. Ele passou os quatro anos seguintes dedicado a construir um braço robótico que pudesse ser acoplado a um membro amputado e, por fim, se mudou para Londres a fim de iniciar um doutorado em bioengenharia.

Ele pretende construir um chip de computador com processadores vivos, de aprendizagem automatizada.

Ao reconhecer o caráter impositivo do próprio currículo, o engenheiro pausou um instante e tentou simplificar sua carreira. “Nos últimos quinze anos, me empenhei em compreender como os neurônios se comunicam entre si”, disse. “Estudei a possibilidade de nos comunicarmos com neurônios individuais –isto é, ler as informações advindas deles e lhes passar informações.”

Essa capacidade de codificar tarefas específicas em neurônios, resultado do histórico especializado de Agabi, é a essência do que a Koniku pretende realizar.

Depois da tentativa de ensinar máquinas a aprender por meio do estudo da mecânica do cérebro, o nigeriano acredita que sua equipe será capaz de organizar neurônios vivos em circuitos projetados para executar tarefas precisas –basicamente, ele pretende construir um chip de computador com processadores vivos, de aprendizagem automatizada.

“Consideramos a perspectiva radical de que seremos mesmo capazes de trabalhar com neurônios biológicos, de verdade”, disse ele.

Desde 1947, a quantidade de transistores que podem ser entuchados em um chip aumentou de alguns milhares para 2 bilhões. Hoje fabricantes de chips encolheram o tamanho de cada transistor de silício ao equivalente de três filamentos de DNA.

Agabi disse que, visto que há um limite mínimo para o tamanho das lentes de um transistor de silício (a IBM anunciou em julho a criação de um transistor de 7 nanômetors e um átomo de silício mede 0,2 nanômetros), a potência do processamento com base no material só poderá chegar até certo ponto.

“No ciclo de aceleração da potência computacional, fomos da ardósia ao papel, do papel aos sistemas mecânicos, dos sistemas mecânicos ao tubo de vácuo, do tubo de vácuo ao silício”, disse ele. “E agora estamos nos mudando para os neurônios.”

Para dar uma noção de referência, o doutor Laeeq Evered, professor de neuropsicologia do Wright Institute, nos Estados Unidos, me explicou que “um pedaço de matéria cerebral do tamanho de um grão de areia contém aproximadamente 100 mil neurônios, 2 milhões de axônios e 1 bilhão de sinapses”.

É evidente, claro, o caráter quixotesco do sonho de criar um chip artificial assim tão pequeno e potente, mas Agabi crê que encontrou o caminho. Perguntei ao Dr. Evered se ele achava impossível construir um chip tão potente quanto o cérebro humano. “É o que eu acho, mas também acho que todos nós já fomos surpreendidos pelo progresso da tecnologia”, disse ele, rindo. “Então, veremos.”

Agabi me contou que acredita que quaisquer hesitações acerca de chips feitos com neurônios desaparecerão quando a Koniku exibir publicamente a aplicação prática do chip. “Queremos construir ideias que façam as pessoas dizerem, ‘Isso é tão óbvio'”.

“Hoje não é assim porque ninguém demonstrou o produto ainda”, disse ele. “Mas estou seguro de que, em dois anos, quando o apresentarmos, será do tipo: ‘Nossa, é óbvio’.”

Em busca de uma terceira opinião, voltei-me para Sherif Ed, um dos engenheiros de sistemas por trás do do programa de aprendizagem profunda DRIVE PX, que há quem acredite que possa ser a chave para o automóvel de condução automática. Ele disse que ficou intrigado com a ideia de processadores feitos com neurônios, mas disse que a tecnologia ainda tem como base muitas variáveis desconhecidas.

“Existem tantos segredos que ainda não desvendamos!”, disse ele. “Os chips feitos com neurônios podem destravar algo no futuro, mas precisam de investidores com muita fé, ou com bolsos gordos, dispostos a jogar dinheiro fora para ver no que vai dar.”

Eid acha que os processadores feitos com neurônios só serão adotados daqui a décadas, isso se forem adotados. Do ponto de vista de Agabi, no entanto, a tecnologia é inevitável –e já está no horizonte. Ele me contou que acredita que os chips abastecerão a robótica ao redor do mundo inteiro em apenas cinco anos. O que levanta a questão: o que acontecerá se ele conseguir?

A primeira vez que ouvi falar da Koniku fiquei assustado. Acompanhei de perto a corrida da inteligência artificial, e o apelo por cautela por parte do filósofo Nick Bostrom me convenceu. Para mim, a start-up pareceu uma Skynet em potencial –afinal, estamos falando do plano de conceder cérebros humanos às máquinas.

É claro que mencionei a Agabi a inteligência artifical do mal. Perguntei se ele se sentia sobrecarregado com o efeito que os filmes da saga” Exterminador do Futuro” tiveram sobre sua pesquisa. “Sim, sim, sim”, respondeu ele enquanto abria um sorriso cansado.

Ele me contou que a ideia de uma empresa colocar membros humanos em máquinas é apenas um mero caso de antropomorfização. Os neurônios estão presentes em diversos cérebros animais, além dos humanos, e Agabi me lembrou que os neurônios da Koniku são cultivados em laboratório. “Carbono é um material como qualquer outro”, disse ele. “Portanto, partimos da premissa de que neurônios são um material.”

Para Agabi, o que ele chama de “dramalhão de inteligência artificial” é muito menos interessante do que a simples questão da eficiência. Ele observou que o Tianhe-2, o supercomputador mais pontente construído até hoje, demanda 24 megawatts de potência, enquanto o cérebro humano funciona com apenas 10 watts.

Em outras palavras, disse ele, o computador mais potente da Terra queima 2,4 milhões de vezes mais energia do que o cérebro humano. “Não é um luxo, não fazemos isso só porque podemos. É uma questão de urgência”, disse ele. “Precisamos encontrar uma maneira de construir muito mais coisas com muito menos, caso nós, enquanto espécie, calhemos de sobreviver.”

Doutor Evered concorda com a ideia de que uma grande parcela da tremenda eficiência do cérebro deriva de sua capacidade de aprender a reconhecer e reforçar conexões propícias entre neurônios. Apesar de nascermos com 100 bilhões de neurônios, perdemos 100 mil por dia –e é a capacidade dos neurônios restantes de formar conexões com seus equivalentes benéficos que determina o poder do cérebro.

“Não é uma questão de natureza inata versus estímulo. É natureza inata e estímulo. Temos um determinado número de neurônios e conexões neurológicas, que carrega determinações genéticas”, disse ele. “Até aí, interagir com o nosso ambiente é tão crítico quanto, no mínimo. São essas conexões que, com aprendizagem e desenvolvimento, marcam um cérebro forte.”

Portanto, grande parte do desafio de criar processadores similares ao cérebro consiste na busca por computadores com capacidade de adaptação à programação.

Em laboratório, Agabi afirma que a Koniku já provou que seus chips são passíveis de aprendizagem profunda –isto é, apresentam a capacidade de reconhecer padrões e reter esse conhecimento– ao demonstrar um processo conhecido como plasticidade em função do tempo de ocorrência dos disparos neurais. Em outras palavras, mostra como neurônios são capazes de construir circuitos em conjunto com seus pares benéficos.

Agabi acredita que seus chips neurais serão melhores em aprendizagem do que os processadores tradicionais de silício, já que, diz ele, podem espelhar em detalhes a atividade cerebral.

No fim da nossa conversa, perguntei a Agabi se ele achava que seus chips movidos a neurônios poderiam ser a chave para fortalecer a humanidade para além da Lei de Moore –regra que sustenta que o poder de processamento dos computadores dobra a cada dois anos.

Alguns especialistas expressam preocupação com a possibilidade desse aumento ter se estabilizado. Eles temem que o futuro da inteligência artificial dependa da capacidade dos engenheiros de conceber computadores mais rápidos e eficientes do que o que está disponível hoje.

Agabi apontou que, há 70 anos, a Lei de Moore se aplica à intensificação da potência computacional por meio da adição de mais processadores de silício. Segundo ele, será preciso se afastar do silício para que o Vale do Silício continue a inovar.

“O fato de estarmos constantemente fortalecendo a potência computacional. Essa lei da computação se justifica pelos últimos 2 a 5 mil anos. A Lei de Moore é um retalho, é somente uma pecinha dessa lei maior”, disse ele. “Uma dessas duas leis precisará ceder, e suspeito que a concedente será a Lei de Moore. Mas nossa capacidade de calcular cada vez mais rápido – essa lei veio para ficar.”

Via: folha

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